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== Uma terapia polêmica ==
 
== Uma terapia polêmica ==
O uso de oxigênio comprimido, sob alta pressão não é terapia nova, não é nem uma nova descoberta médica, não se constitui em nova tecnologia clamando incorporação ao sistema de saúde. É uma prática bastante conhecida, há meio século. Inclusive é bastante conhecida pela sua pouca utilidade e pouca efetividade na melhora dos pacientes com ela tratados.<br>
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O uso de oxigênio comprimido sob alta pressão não é terapia nova, não é sequer uma nova descoberta médica, não se constitui em nova tecnologia clamando incorporação ao sistema de saúde. É uma prática bastante conhecida, há meio século. Inclusive é bastante conhecida pela sua pouca utilidade e pouca efetividade na melhora dos pacientes com ela tratados.<br>
A OHB foi introduzida como terapia adjuvante ao tratamento de úlceras crônicas, incluindo as úlceras dos pés em diabéticos, há cerca de 40 anos. Como modalidade terapêutica foi amplamente disponibilizada em clínicas privadas dos EUA. Seu uso é pouco difundido na Europa, Austrália e Nova Zelândia. Contudo, em todos os países, sua aplicação como terapia de rotina ainda sempre foi bastante controversa.<br>
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A OHB foi introduzida como terapia adjuvante ao tratamento de úlceras crônicas, incluindo as úlceras dos pés em diabéticos, há cerca de 40 anos. Como modalidade terapêutica foi amplamente disponibilizada em clínicas privadas dos EUA. Seu uso é pouco difundido na Europa, Austrália e Nova Zelândia. Contudo, em todos os países, sua aplicação como terapia de rotina sempre foi bastante controversa.<br>
 
No Brasil, a OHB é restrita a um número pequeno de centros especializados, '''todos em estabelecimentos privados e de fins lucrativos''', exceto alguns serviços nos hospitais da Marinha, em virtude de seu uso consagrado no tratamento da doença descompressiva e da embolia gasosa em mergulhadores.<br>
 
No Brasil, a OHB é restrita a um número pequeno de centros especializados, '''todos em estabelecimentos privados e de fins lucrativos''', exceto alguns serviços nos hospitais da Marinha, em virtude de seu uso consagrado no tratamento da doença descompressiva e da embolia gasosa em mergulhadores.<br>
 
Nem todo serviço médico ofertado pelo comércio da saúde corresponde a necessidade e algumas das ofertas sequer são aprovadas cientificamente a ponto de serem reconhecidas como tratamentos a que alguém tenha direito.<ref> Parecer médico, Superintendência de Serviços Especializados e Regulação/SES/SC </ref>
 
Nem todo serviço médico ofertado pelo comércio da saúde corresponde a necessidade e algumas das ofertas sequer são aprovadas cientificamente a ponto de serem reconhecidas como tratamentos a que alguém tenha direito.<ref> Parecer médico, Superintendência de Serviços Especializados e Regulação/SES/SC </ref>

Edição das 19h44min de 3 de junho de 2014

A Medicina Hiperbárica dedica-se ao tratamento de pessoas acometidas de doenças e lesões próprias do mergulho ou do trabalho em ambientes pressurizados, e ao estudo e prevenção desses agravos.[1]
A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) consiste na administração de oxigênio puro (O2 a 100%), por via respiratória, a um indivíduo colocado em uma câmara hiperbárica, na qual são aplicadas pressões superiores à pressão atmosférica padrão, que é de 1 bar ou 1 atmosfera absoluta – ATA. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) define câmara hiperbárica como um equipamento estanque e de paredes rígidas resistente a uma pressão interna maior que 1,4 ATA, que encerra totalmente um ou mais seres humanos dentro de seus limites. Uma sessão de OHB dura de 60 a 120 min. e compreende uma etapa de compressão lenta de 15 min., seguida por três ciclos de 30 min., no qual o paciente respira O2 a 100% à pressão terapêutica de 2,2 a 2,8 ATA, alternados com intervalos de 5 min. em que o paciente respira ar natural e, finalmente, por uma etapa de descompressão lenta de 15 min.

Uma terapia polêmica

O uso de oxigênio comprimido sob alta pressão não é terapia nova, não é sequer uma nova descoberta médica, não se constitui em nova tecnologia clamando incorporação ao sistema de saúde. É uma prática bastante conhecida, há meio século. Inclusive é bastante conhecida pela sua pouca utilidade e pouca efetividade na melhora dos pacientes com ela tratados.
A OHB foi introduzida como terapia adjuvante ao tratamento de úlceras crônicas, incluindo as úlceras dos pés em diabéticos, há cerca de 40 anos. Como modalidade terapêutica foi amplamente disponibilizada em clínicas privadas dos EUA. Seu uso é pouco difundido na Europa, Austrália e Nova Zelândia. Contudo, em todos os países, sua aplicação como terapia de rotina sempre foi bastante controversa.
No Brasil, a OHB é restrita a um número pequeno de centros especializados, todos em estabelecimentos privados e de fins lucrativos, exceto alguns serviços nos hospitais da Marinha, em virtude de seu uso consagrado no tratamento da doença descompressiva e da embolia gasosa em mergulhadores.
Nem todo serviço médico ofertado pelo comércio da saúde corresponde a necessidade e algumas das ofertas sequer são aprovadas cientificamente a ponto de serem reconhecidas como tratamentos a que alguém tenha direito.[2]

A terapia de oxigênio hiperbárico em busca de doenças a tratar

Este tipo de terapia foi criado para doenças de mergulhadores, que tiveram problemas na oxigenação do organismo por ficarem um tempo exagerado no fundo do mar. Aventou-se que ela poderia ajudar também na cicatrização de feridas infectadas por alguns tipos de bactérias que se escondem no meio dos tecidos do corpo, onde há pouco oxigênio, pois são bactérias anaeróbias, às quais o oxigênio faz mal. De alguns anos para cá se criou uma moda, difundida pelos vendedores dos aparelhos, de propor a oxigenioterapia para as mais diversas condições clínicas, incutindo esperanças de tom milagroso na população: para tentar curar crianças autistas, para oxigenar o cérebro de pessoas que sofreram enfartes, para qualquer tipo de ferimento.
Debates foram feitos pelas associações e escolas médicas, sobre as indicações, pois a literatura científica sobre o tema é parca e há uma falta de provas científicas de que a oxigenioterapia hiperbárica seja realmente útil para as condições clínicas em que tem sido usada. Para a maioria das indicações brotadas nos últimos cinco anos, nada de provas têm sido produzidas. As revisões completas sobre esta terapia encontradas na Cochrane (Biblioteca Virtual em Saúde) mostram o quanto os fabricantes das máquinas e os médicos têm se esforçado para encontrar uma utilidade para a oxigenoterapia. São 17 revisões sobre diferentes aplicações possíveis da oxigenoterapia, na base de dados técnicos Cochrane, a mais respeitada do mundo.
Buscou-se aplicá-la em um número enorme de situações, sem que a utilidade pudesse ser comprovada de forma cabal: intoxicação com monóxido de carbono, na esclerose múltipla, na proctite tardia por radiação em pacientes que fizeram radioterapia radical da pelve, na recolocação de dentes perdidos, em feridas crônicas, nas lesões cerebrais traumáticas, na otite externa maligna, na consolidação de fraturas, na pseudoartrose, na mialgia de inicio tardio, na lesão fechada de partes moles, nas queimaduras térmicas, na perda de audição neurossensorial, no tinnitus (zumbido do ouvido), na síndrome coronária aguda, nos AVC isquêmicos agudos, na lesão de tecido por radiação, em tumores, nas cefaléias e enxaquecas, no autismo infantil, nas doenças por descompressão. Outras várias tentativas de estudos para defender a técnica também não conseguiram sucesso. Já foi, inclusive, descrita como “uma terapia em busca das doenças” [3] que por ela possam ser tratadas.
A OHB coloca-se, portando, num grupo de técnicas e procedimentos ainda não completamente testados. Por isso ela não está padronizada pelo SUS. Ora, o Sistema Único de Saúde não pode patrocinar tratamentos cujas expectativas sejam meramente mágicas, inconfirmadas ou experimentais. Em suma, o que os governos que administram grandes sistemas universalizantes de saúde, com o Brasil, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul e o Canadá, exigem que se distinga o real tratamento médico do mero consumo de serviços, por moda, por prazer de consumir, ou por desespero em busca de milagre.
Ainda, como qualquer intervenção médica, se a OHB for mal feita ou mal indicada implicará riscos, inclusive de morte, conforme explicita a Nota Técnica N° 01/2008/GQUIP/GGTPS/ANVISA, denominada Riscos nos serviços de Medicina Hiperbárica. Nem sempre, por conseguinte, realizar o tratamento é cuidar da saúde: pode ser o contrário. Esta precaução o Estado deve ter, pois ele é um guardião da saúde dos cidadãos. Deve-se também levar em conta, muitas vezes, que as discretas melhoras ocorridas poderão não ter ocorrido em função das sessões hiperbáricas realizadas, mas como resultado de outros tratamentos que porventura o paciente venha fazendo, já que a oxigenoterapia geralmente é apenas um tratamento adjuvante e não principal. Portanto, avaliar bem a causa da melhora, por raciocínio clínico, é um ponto importante.
O Conselho Nacional de Justiça, na Resolução no. 31, de março de 2010, demonstra sua preocupação com a descabida indicação de terapias sem confirmação científica, sobre as quais não chegam informações aos meritíssimos julgadores.

OHB e o Conselho Federal de Medicina

Não existe uma especialidade médica de oxigenoterapia hiperbárica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina.
O anúncio de especialidade pelo médico deve especificar o número de registro da especialidade e da área de atuação (RQE), sendo vedada ao médico a divulgação de especialidade ou área de atuação que não for reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina [4].
Através do Parecer nº 8/11, o Conselho validou o Protocolo de uso de oxigenoterapia hiperbárica da Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica. Deste, destacamos:

  1. A OHB é reservada para:
    • Recuperação de tecidos em sofrimento;
    • Condições clínicas em que seja o único tratamento;
    • Lesões graves e/ou complexas;
    • Falha de resposta aos tratamentos habituais;
    • Lesões com necessidade de desbridamento cirúrgico;
    • Piora rápida com risco de óbito;
    • Lesões em áreas nobres: face, mãos, pés, períneo, genitália, mamas
    • Lesões refratárias; recidivas frequentes.
  2. A OHB não é indicada como tratamento para:
    • Lesões com resposta satisfatória ao tratamento habitual;
    • Lesões que não respondem à OHB: sequelas neurológicas, necroses estabelecidas;
    • Infecções que não respondem à OHB: pneumonia, infecção urinária.
  3. Contraindicações ao uso da OHB:
    • Absolutas:
      • Uso de drogas – Doxorrubicin, Dissulfiram, Cis-Platinum;
      • Pneumotórax não tratado;
      • Gravidez.
    • Relativas:
      • Infecções das vias aéreas superiores;
      • DPOC com retenção de CO2;
      • Hipertermia;
      • História de pneumotórax espontâneo;
      • Cirurgia prévia em ouvido;
      • Esferocitose congênita;
      • Infecção viral - Fase aguda.

Além disso, também consta no Parecer um quadro comparando o caráter da terapia (emergência, urgência, eletivo e situações especiais) de acordo com a indicação.

Incorporação de Novas Tecnologias pelo SUS

A OHB não está prevista em nenhuma das diretrizes terapêuticas e protocolo clínico aprovados pelo SUS[5], para uso interno do sistema. Tal procedimento, portanto, do ponto de vista legal, não está coberto pelo conceito de integralidade previsto na alínea d do inciso I, art. 6o, da Lei 8.080/90, o qual foi claramente definido pela Lei 12.401, de 28 de abril de 2011:

"Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em:

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P."


As entidades científicas, as universidades e as associações de especialidades estão sempre abrindo, no Ministério da Saúde, processos para solicitar o reconhecimento de formas de tratar, através de projetos de protocolos, submetidos ao estudo técnico e à consulta pública.
O Ministério da Saúde, através de seu Departamento de Ciência e Tecnologia encomendou estudos de “Avaliação de Múltiplas Tecnologias em Feridas Crônicas e Queimaduras”. A equipe da Dra. Helena Cramer entregou ao Ministério, em outubro de 2010, um estudo em que fazia recomendação forte de incorporação da oxigenoterapia hiperbárica no SUS para tratar “feridas em extremidades inferiores de pacientes com diabetes”. A recomendação se limitou a tais feridas. O estudo ficou condicionado a uma revisão científica, a ser entregue ao Ministério em outubro de 2020, portanto daqui a 7 anos.
Em 10 de dezembro de 2010 foi realizada uma Audiência Pública do Ministério da Saúde referente à “Avaliação de Múltiplas Tecnologias em Feridas Crônicas e Queimaduras”[6], com especialistas e entidades interessadas. Algumas das conclusões:

  • Foi manifestada a escassez de estudos com qualidade metodológica suficiente na área de feridas, inclusive Ensaios Clínicos Randomizados (ECR), resultando em dificuldades para definição de tecnologias padrão ouro para comparação com as novas;
  • Foi manifestada a dificuldade de avaliação tendo em vista que a maioria dos estudos existentes sobre o tema considera tecnologias variadas e associadas, além das diferenças entre protocolos de tratamento;
  • Foi questionado se foram encontrados estudos sobre o uso local da oxigenioterapia hiperbárica, se o consenso “Undersea”, semelhante ao utilizado pelo Conselho Federal de Medicina foi considerado, e se nos estudos considerados, foram utilizadas terapias tópicas adjuvantes nos intervalos entre as sessões de terapia.

Por as evidências científicas adicionais sobre oxigenoterapia hiperbárica, levadas ao Ministério da Saúde, não terem se mostrado suficientemente convincentes, seguiram valendo, para o SUS, as mesmas recomendações contidas no Informe da Agência Nacional de Saúde Suplementar[7], de 2008 e 2009, onde se lê:

  • Embora haja alguma evidência de que a OHB diminua o risco de amputação maior em pacientes com úlceras diabéticas resistentes ao tratamento convencional, há a necessidade de confirmação deste benefício em ensaios clínicos controlados randomizados (ECCR) de boa qualidade metodológica e com bom tamanho amostral;
  • Diante da fraca evidência atualmente disponível, a ampliação do acesso dos diabéticos ao tratamento multidisciplinar, reduzindo a incidência de úlceras dos pés e minimizando suas complicações, em especial as amputações de perna e coxa, é a estratégia mais efetiva a ser adotada.

O fato é que o procedimento não foi incluído na lista ou relação oficial, pelo Ministério da Saúde, para uso no sistema público, por déficit de evidências científicas. Esta tecnologia, portanto, não está incorporada ao SUS.
A incorporação de tecnologia é regida com clareza pela Lei 12.401, de 28 de abril de 2011, que reza:

"Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS.

§ 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina.
§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente:
I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso;
II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.
Art. 19-R. A incorporação, a exclusão e a alteração a que se refere o art. 19-Q serão efetuadas mediante a instauração de processo administrativo (...)."


Há, portanto, regras para fazer a incorporação de tecnologia no SUS, determinadas não só pela citada lei, mas também pelo Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011 que, entre outras coisas, cria a CONITEC, Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde.
As entidades interessadas na incorporação de determinada tecnologia ao SUS devem seguir os passos legais para efetivá-la, caso a tecnologia apresente evidências científicas, eficácia, eficiência, segurança e efetividade.

Referências

  1. BRITO, Tomaz. Medicina hiperbárica, oxigenoterapia hiperbárica: uma modalidade terapêutica ainda desconhecida. Jornal de Medicina do Conselho Federal de Medicina. Ano XVII, n. 134, p. 15-16, mai./jun. 2002.
  2. Parecer médico, Superintendência de Serviços Especializados e Regulação/SES/SC
  3. G Gabb; E D Robin. Hyperbaric oxygen. A therapy in search of diseases. CHEST. December 1987;92(6):1074-1082
  4. RESOLUÇÃO CFM nº 1634/2002
  5. Lista disponível em: Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde
  6. Ata ou memória da Audiência disponível em: http://200.214.130.94/rebrats/publicacoes/memoria_audiencia_publica_feridas_final.pdf
  7. Agência Nacional de Saúde Suplementar.Oxigenoterapia Hiperbárica No Tratamento De Úlceras Dos Pés Em Diabéticos (Pé Diabético). Ano 1(jan/2008) - Dados eletrônicos. Rio de Janeiro