Mudanças entre as edições de "Oxigenoterapia Hiperbárica"

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No Brasil, a OHB é restrita a um número pequeno de centros especializados, todos em estabelecimentos privados e de fins lucrativos, exceto alguns serviços nos hospitais da Marinha, em virtude de seu uso consagrado no tratamento da doença descompressiva e da embolia gasosa em mergulhadores.<br>
 
No Brasil, a OHB é restrita a um número pequeno de centros especializados, todos em estabelecimentos privados e de fins lucrativos, exceto alguns serviços nos hospitais da Marinha, em virtude de seu uso consagrado no tratamento da doença descompressiva e da embolia gasosa em mergulhadores.<br>
 
Nem todo serviço médico ofertado pelo comércio da saúde corresponde a necessidade e algumas das ofertas sequer são aprovadas cientificamente a ponto de serem reconhecidas como tratamentos a que alguém tenha direito.<ref> Parecer médico, Superintendência de Serviços Especializados e Regulação/SES/SC </ref>
 
Nem todo serviço médico ofertado pelo comércio da saúde corresponde a necessidade e algumas das ofertas sequer são aprovadas cientificamente a ponto de serem reconhecidas como tratamentos a que alguém tenha direito.<ref> Parecer médico, Superintendência de Serviços Especializados e Regulação/SES/SC </ref>
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== A terapia de oxigênio hiperbárico em busca de doenças a tratar ==
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Este tipo de terapia foi criado para doenças de mergulhadores, que tiveram problemas na oxigenação do organismo por ficarem um tempo exagerado no fundo do mar. Aventou-se que ela poderia ajudar também na cicatrização de feridas infectadas por alguns tipos de bactérias que se escondem no meio dos tecidos do corpo, onde há pouco oxigênio, pois são bactérias anaeróbias, às quais o oxigênio faz mal. De alguns anos para cá se criou uma moda, difundida pelos vendedores dos aparelhos, de propor a oxigenioterapia para as mais diversas condições clínicas, incutindo esperanças de tom milagroso na população: para tentar curar crianças autistas, para oxigenar o cérebro de pessoas que sofreram enfartes, para qualquer tipo de ferimento.<br>
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Debates foram feitos pelas associações e escolas médicas, sobre as indicações, pois a literatura científica sobre o tema é parca e há uma falta de provas científicas de que a oxigenioterapia hiperbárica seja realmente útil para as condições clínicas em que tem sido usada. Para a maioria das indicações brotadas nos últimos cinco anos, nada de provas têm sido produzidas. As revisões completas sobre esta terapia encontradas na [http://cochrane.bvsalud.org/portal/php/index.php Cochrane (Biblioteca Virtual em Saúde)] mostram o quanto os fabricantes das máquinas e os médicos têm se esforçado para encontrar uma utilidade para a oxigenoterapia. São 17 revisões sobre diferentes aplicações possíveis da oxigenoterapia, na base de dados técnicos Cochrane, a mais respeitada do mundo.<br>
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Buscou-se aplicá-la em um número enorme de situações, sem que a utilidade pudesse ser comprovada de forma cabal: intoxicação com monóxido de carbono, na esclerose múltipla, na proctite tardia por radiação em pacientes que fizeram radioterapia radical da pelve na recolocação de dentes perdidos, em feridas crônicas, nas lesões cerebrais traumáticas, na otitis externa maligna, na consolidação de fracturas, na pseudoartrose, na mialgia de inicio tardio, na lesão fechada de partes moles, nas queimaduras térmicas, na perda de audição neurossensorial, no tinnitus (zumbido do ouvido), na síndrome coronária aguda, nos AVC isquêmicos agudos, na lesão de tecido por radiação, em tumores, nas cefaléias e enxaquecas, no autismo infantil, nas doenças por descompressão. Outras várias tentativas de estudos para defender a técnica também não conseguiram sucesso. Já foi, inclusive, descrita como “uma terapia em busca das doenças” <ref>[http://journal.publications.chestnet.org/article.aspx?articleid=1060623 G Gabb; E D Robin. ''Hyperbaric oxygen. A therapy in search of diseases.'' CHEST. December 1987;92(6):1074-1082]</ref> que por ela possam ser tratadas.<br>
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A OHB coloca-se, portando, num grupo de técnicas e procedimentos ainda não completamente testados e ainda sem comprovação. Por isso ela não está padronizada pelo SUS. Ora, o Sistema Único de Saúde não pode patrocinar tratamentos cujas expectativas sejam meramente mágicas, inconfirmadas ou experimentais. Em suma, o que os governos que administram grandes sistemas universalizantes de saúde, com o Brasil, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul e o Canadá, exigem que se distinga o real tratamento médico do mero consumo de serviços, por moda, por prazer de consumir, ou por desespero em busca de milagre.
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O Conselho Nacional de Justiça, na Resolução no. 31, de março de 2010, demonstra sua preocupação com a descabida indicação de terapias sem confirmação científica, sobre as quais não chegam informações aos meritíssimos julgadores.
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Apesar de não haver evidências de que a terapia hiperbárica ajude a curar, se ela for mal feita ou mal indicada implicará riscos, inclusive de morte, conforme explicita o documento da ANVISA, denominado Riscos nos serviços de Medicina Hiperbárica . Nem sempre, por conseguinte, realizar o tratamento é cuidar da saúde: pode ser o contrário. Esta precaução o Estado deve ter, pois ele é um guardião da saúde dos cidadãos. Deve-se também levar em conta, muitas vezes, que as discretas melhoras ocorridas poderão não ter ocorrido em função das sessões hiperbáricas realizadas, mas como resultado de outros tratamentos que porventura o paciente venha fazendo, já que a oxigenoterapia é apenas um tratamento adjuvante e não principal. Portanto, avaliar bem a causa da melhora, por raciocínio clínico, é um ponto importante.
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==OHB e o Conselho Federal de Medicina==
 
==OHB e o Conselho Federal de Medicina==

Edição das 19h16min de 10 de janeiro de 2013

A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) consiste na administração de oxigênio puro (O2 a 100%), por via respiratória, a um indivíduo colocado em uma câmara hiperbárica, na qual são aplicadas pressões superiores à pressão atmosférica padrão, que é de 1 bar ou 1 atmosfera absoluta – ATA. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) define câmara hiperbárica como um equipamento estanque e de paredes rígidas resistente a uma pressão interna maior que 1,4 ATA, que encerra totalmente um ou mais seres humanos dentro de seus limites. Uma sessão de OHB dura de 60 a 120 min. e compreende uma etapa de compressão lenta de 15 min., seguida por três ciclos de 30 min., no qual o paciente respira O2 a 100% à pressão terapêutica de 2,2 a 2,8 ATA, alternados com intervalos de 5 min. em que o paciente respira ar natural e, finalmente, por uma etapa de descompressão lenta de 15 min.

Uma terapia polêmica

O uso de oxigênio comprimido, sob alta pressão não é terapia nova, não é em uma nova descoberta médica, não se constitui em nova tecnologia clamando incorporação ao sistema de saúde. É uma prática bastante conhecida, há meio século. Inclusive é bastante conhecida pela sua pouca utilidade e pouca efetividade na melhora dos pacientes com ela tratados.
A OHB foi introduzida como terapia adjuvante ao tratamento de úlceras crônicas, incluindo as úlceras dos pés em diabéticos, há cerca de 40 anos. Como modalidade terapêutica foi amplamente disponibilizada em clínicas privadas dos EUA. Seu uso é pouco difundido na Europa, Austrália e Nova Zelândia. Contudo, em todos os países, sua aplicação como terapia de rotina ainda sempre foi bastante controversa.
No Brasil, a OHB é restrita a um número pequeno de centros especializados, todos em estabelecimentos privados e de fins lucrativos, exceto alguns serviços nos hospitais da Marinha, em virtude de seu uso consagrado no tratamento da doença descompressiva e da embolia gasosa em mergulhadores.
Nem todo serviço médico ofertado pelo comércio da saúde corresponde a necessidade e algumas das ofertas sequer são aprovadas cientificamente a ponto de serem reconhecidas como tratamentos a que alguém tenha direito.<ref> Parecer médico, Superintendência de Serviços Especializados e Regulação/SES/SC </ref>


A terapia de oxigênio hiperbárico em busca de doenças a tratar

Este tipo de terapia foi criado para doenças de mergulhadores, que tiveram problemas na oxigenação do organismo por ficarem um tempo exagerado no fundo do mar. Aventou-se que ela poderia ajudar também na cicatrização de feridas infectadas por alguns tipos de bactérias que se escondem no meio dos tecidos do corpo, onde há pouco oxigênio, pois são bactérias anaeróbias, às quais o oxigênio faz mal. De alguns anos para cá se criou uma moda, difundida pelos vendedores dos aparelhos, de propor a oxigenioterapia para as mais diversas condições clínicas, incutindo esperanças de tom milagroso na população: para tentar curar crianças autistas, para oxigenar o cérebro de pessoas que sofreram enfartes, para qualquer tipo de ferimento.
Debates foram feitos pelas associações e escolas médicas, sobre as indicações, pois a literatura científica sobre o tema é parca e há uma falta de provas científicas de que a oxigenioterapia hiperbárica seja realmente útil para as condições clínicas em que tem sido usada. Para a maioria das indicações brotadas nos últimos cinco anos, nada de provas têm sido produzidas. As revisões completas sobre esta terapia encontradas na Cochrane (Biblioteca Virtual em Saúde) mostram o quanto os fabricantes das máquinas e os médicos têm se esforçado para encontrar uma utilidade para a oxigenoterapia. São 17 revisões sobre diferentes aplicações possíveis da oxigenoterapia, na base de dados técnicos Cochrane, a mais respeitada do mundo.
Buscou-se aplicá-la em um número enorme de situações, sem que a utilidade pudesse ser comprovada de forma cabal: intoxicação com monóxido de carbono, na esclerose múltipla, na proctite tardia por radiação em pacientes que fizeram radioterapia radical da pelve na recolocação de dentes perdidos, em feridas crônicas, nas lesões cerebrais traumáticas, na otitis externa maligna, na consolidação de fracturas, na pseudoartrose, na mialgia de inicio tardio, na lesão fechada de partes moles, nas queimaduras térmicas, na perda de audição neurossensorial, no tinnitus (zumbido do ouvido), na síndrome coronária aguda, nos AVC isquêmicos agudos, na lesão de tecido por radiação, em tumores, nas cefaléias e enxaquecas, no autismo infantil, nas doenças por descompressão. Outras várias tentativas de estudos para defender a técnica também não conseguiram sucesso. Já foi, inclusive, descrita como “uma terapia em busca das doenças” <ref>G Gabb; E D Robin. Hyperbaric oxygen. A therapy in search of diseases. CHEST. December 1987;92(6):1074-1082</ref> que por ela possam ser tratadas.
A OHB coloca-se, portando, num grupo de técnicas e procedimentos ainda não completamente testados e ainda sem comprovação. Por isso ela não está padronizada pelo SUS. Ora, o Sistema Único de Saúde não pode patrocinar tratamentos cujas expectativas sejam meramente mágicas, inconfirmadas ou experimentais. Em suma, o que os governos que administram grandes sistemas universalizantes de saúde, com o Brasil, o Reino Unido, a Austrália, a África do Sul e o Canadá, exigem que se distinga o real tratamento médico do mero consumo de serviços, por moda, por prazer de consumir, ou por desespero em busca de milagre. O Conselho Nacional de Justiça, na Resolução no. 31, de março de 2010, demonstra sua preocupação com a descabida indicação de terapias sem confirmação científica, sobre as quais não chegam informações aos meritíssimos julgadores. Apesar de não haver evidências de que a terapia hiperbárica ajude a curar, se ela for mal feita ou mal indicada implicará riscos, inclusive de morte, conforme explicita o documento da ANVISA, denominado Riscos nos serviços de Medicina Hiperbárica . Nem sempre, por conseguinte, realizar o tratamento é cuidar da saúde: pode ser o contrário. Esta precaução o Estado deve ter, pois ele é um guardião da saúde dos cidadãos. Deve-se também levar em conta, muitas vezes, que as discretas melhoras ocorridas poderão não ter ocorrido em função das sessões hiperbáricas realizadas, mas como resultado de outros tratamentos que porventura o paciente venha fazendo, já que a oxigenoterapia é apenas um tratamento adjuvante e não principal. Portanto, avaliar bem a causa da melhora, por raciocínio clínico, é um ponto importante.


OHB e o Conselho Federal de Medicina

Não existe uma especialidade médica de oxigenoterapia hiperbárica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina.
O anúncio de especialidade pelo médico deve especificar o número de registro da especialidade e da área de atuação (RQE), sendo vedada ao médico a divulgação de especialidade ou área de atuação que não for reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina <ref> RESOLUÇÃO CFM nº 1634/2002 </ref>.
Através do Parecer nº 8/11, o Conselho validou o Protocolo de uso de oxigenoterapia hiperbárica da Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica. Deste, destacamos:

  1. A OHB é reservada para:
    • Recuperação de tecidos em sofrimento;
    • Condições clínicas em que seja o único tratamento;
    • Lesões graves e/ou complexas;
    • Falha de resposta aos tratamentos habituais;
    • Lesões com necessidade de desbridamento cirúrgico;
    • Piora rápida com risco de óbito;
    • Lesões em áreas nobres: face, mãos, pés, períneo, genitália, mamas
    • Lesões refratárias; recidivas frequentes.
  2. A OHB não é indicada como tratamento para:
    • Lesões com resposta satisfatória ao tratamento habitual;
    • Lesões que não respondem à OHB: sequelas neurológicas, necroses estabelecidas;
    • Infecções que não respondem à OHB: pneumonia, infecção urinária.
  3. Contraindicações ao uso da OHB:
    • Absolutas:
      • Uso de drogas – Doxorrubicin, Dissulfiram, Cis-Platinum;
      • Pneumotórax não tratado;
      • Gravidez.
    • Relativas:
      • Infecções das vias aéreas superiores;
      • DPOC com retenção de CO2;
      • Hipertermia;
      • História de pneumotórax espontâneo;
      • Cirurgia prévia em ouvido;
      • Esferocitose congênita;
      • Infecção viral - Fase aguda.

Além disso, também consta no Parecer um quadro comparando o caráter da terapia (emergência, urgência, eletivo e situações especiais) de acordo com a indicação.

Incorporação de Novas Tecnologias pelo SUS

A Lei 12.401, de 28 de abril de 2011 é clara sobre a impossibilidade de o SUS patrocinar procedimentos experimentais e procedimentos de uso não autorizado pela ANVISA:

"Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;"


Seu pagamento, pelo SUS, consistiria em desobediência ao preceito legal.

Referências

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