Eletroconvulsoterapia

De ceos
Revisão de 21h17min de 27 de setembro de 2013 por Autor (Discussão | contribs)
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A Eletroconvulsoterapia (ECT)é definida como “uma estimulação elétrica do cérebro com a finalidade de induzir uma crise convulsiva que, após uma série de aplicações, resulta em uma melhoria dos sintomas”. Outra definição diz ser uma “técnica, em desuso, que consiste na passagem de uma corrente elétrica de alta voltagem sobre a região temporal, a fim de provocar dessincronização traumática de atividade cerebral do paciente com contrações crônicas e perda da consciência, usada como terapia em casos de problemas mentais graves; eletrochoque; choque”. Do ponto de vista técnico, o seu uso para o tratamento de transtornos mentais pode ser caracterizado como um procedimento invasivo e agressivo para o organismo, com efeitos colaterais severos para o paciente, não resultando na recuperação da saúde integral da pessoa, mas provocando efeitos que aplacam sintomas como alucinações e agressividade.

Procedimento Eletivo ou de Urgência/Emergência?

Não há urgência neste tipo de tratamento.
Em nenhum livro de Psiquiatria ou de Medicina de Pronto Socorro há referência às indicações de eltroconvulsoterapia como um procedimento de urgência ou de emergência. Nenhum Pronto-Socorro do mundo tem aparelhagem para fazer eletroconvulsoterapia, e sua indicação é sempre eletiva (não obrigatória, opcional, alternativa), em qualquer país do mundo, hoje.
Não seria científica a alegação de que a demora no tratamento de eletroconvulsoterapia pudesse ferir os direitos de um paciente.

Transtorno depressivo a ECT

O transtorno depressivo é uma doença crônica, causada por fatores genéticos, que se manifesta por episódios ora depressivos (melancólicos e apáticos), ora maníacos (eufóricos e hiperativos), intercalados por fases sem sintomas. Este curso natural da doença é vitalício. O paciente portador deste tipo de doença não tem cura, mas pode ter a doença controlada.
Ao tempo em que apenas se tratava as pessoas com ECT, por não terem ainda inventado remédios, os resultados eram pequenos, paliativos, temporários e decepcionantes. Com a descoberta das propriedades farmacológicas, nos anos 50 e 60, dos antidepressivos, dos neurolépticos e dos estabilizadores de humor os resultados foram surpreendentes. Contudo, o remédio precisa ser tomado com regularidade e a dose precisa ser ajustada seguidamente, através de exames de dosagem daquele fármaco no sangue, semestrais.
Algumas pessoas, em função de características da personalidade ou de características que a doença adquiriu por particularidades de seu organismo, não têm melhoras significativas durante os episódios tratados, sendo classificados como refratários a tratamentos.

Histórico

A ECT é, e sempre foi, a longo de toda a história da Psiquiatria, um tratamento eletivo e coadjuvante, feito como uma tentativa heróica de melhorar um quadro de loucura circular ou maníaco-depressiva. Ela não tem propriedades curativas. Apenas pode amenizar sintomas temporariamente, em algumas situações, para algumas pessoas. “Pode amenizar” não significa que “vai amenizar”: não há certeza sobre os resultados. Aliás, se fosse um tratamento tão usável e tão bom, não se receitaria, hoje em dia, tantos antidepressivos, tantos neurolépticos e tantos estabilizadores do humor.
Quando se descobriu, na Itália dos anos 30, que o choque poderia amenizar, em algumas pessoas, os sintomas, ele passou a ser promovido como política de saúde pelo governo fascista de Mussolini. Também o governo de Joseph Stalin, na União Soviética, adotou-o como política de saúde. Observou-se, então grande número de mortes de pacientes durante a aplicação do tratamento, assim como fraturas de ossos (durante a convulsão que o choque causava) e efeitos colaterais sobre a memória e a orientação.
A Associação Mundial de Psiquiatria (World Psychiatric Association - WPA) passou a criticar o uso indiscriminado do perigoso e pouco científico tratamento, na forma como era aplicado, no contexto das políticas de saúde dos países que se inspiraram na Itália Fascista e na União Soviética. O VI Congresso Mundial de Psiquiatria culminou com o desligamento da psiquiatria soviética da World Psychiatric Association (WPA) devido ao uso abusivo da eletroconvulsoterapia pelos médicos soviéticos, eventualmente até para desestimular dissidentes políticos. Naquele Congresso foi proclamada a Declaração do Hawai que consiste em normas éticas para os psiquiatras.<ref>KINGDON D, JONES R, LONNQVIST J. Protecting the human rights of people with mental disorder: new recommendations emerging from the Council of Europe. BRITISH JOURNAL OF PSYCHIATRY, Volume: 185 Pages: 277-279 DOI: 10.1192/bjp.185.4.277 Published: OCT 2004. Resumo disponível em: <http://bjp.rcpsych.org/content/185/4/277.short>.</ref>
No Brasil, a Conferência Nacional de Saúde Mental é uma parte especializada que compõe a Conferência Nacional de Saúde, órgão máximo de controle social da saúde, instituído nos termos da Lei Nº 8.142 de 28 de dezembro de 1990. Em Brasília, a deliberação nº 26, da III Conferência Nacional de Saúde Mental, de 2001, recomendou, para as direções das políticas de saúde mental no Brasil, para os anos seguintes, abolir o eletro-choque, comparando-o a “prática de suplício e de desrespeito aos direitos humanos. Na mesma época, diversas moções de repúdio à utilização da eletroconvulsoterapia (ECT) ao Congresso e ao governo determinaram a abolição do eletro-choque nos cuidados da saúde mental, no SUS.
A influência desta corrente contrária ao uso da eletroconvulsoterapia foi forte sobre o Ministério da Saúde: até hoje o Ministério não aprova o tratamento e não tem tabela, no SUS, para pagá-lo, para evitar os riscos de ser processado por violação de direitos humanos.

Evidências científicas

Hoje em dia há vários estudos e vários debates sobre a liberalização do uso, sob regras rígidas. Um dos estudos científicos mais respeitados sobre o tema, no Brasil, afirma: <ref>SOARES MBM, MORENO RA, MORENO DH. Electroconvulsive therapy in treatment-resistant mania: case reports. Rev. Hosp. Clin. [online]. 2002, vol.57, n.1, pp. 31-38. ISSN 0041-8781. doi: 10.1590/S0041-87812002000100006.</ref>

CONCLUSÕES: Os resultados iniciais sugerem que a eficácia da Eletroconvulsoterapia no tratamento de pacientes bipolares resistentes deve ser melhor estudada. [sem grifo no original]

O livro texto especializado, de Sérgio Paulo Rigonatti et all. (2004), no segundo capítulo, didaticamente, discute o mecanismo de ação da eletroconvulsoterapia, dizendo que:<ref>RIGONATTI SP, ROSA MA, ROSA MO (orgs.) Eletroconvulsoterapia. São Paulo: Vetor; 2004.</ref>

"embora não seja ainda completamente conhecido, há teorias importantes relacionadas ao assunto, sendo as três principais: a teoria clássica dos neurotransmissores, a neuroendócrina e a anticonvulsiva. Esta última afirma que o efeito antidepressivo da ECT está relacionado ao fato do seu profundo efeito anticonvulsivante no cérebro". [sem grifo no original]

No terceiro capítulo, os autores desmistificam a técnica e discutem os prós e contras enfatizando a necessidade de ligação da psiquiatria com as outras especialidades médicas, especialmente a cardiologia.
De fato, hoje, seguindo protocolos rígidos, selecionando muito bem os pacientes, o número de mortes durante a aplicação do tratamento – e por efeito dele – caiu muito: a taxa de mortalidade associada ao tratamento é de um em cada cem mil casos tratados<ref>SALLEH MA, et al. Eletroconvulsoterapia: critérios e recomendações da Associação Mundial de Psiquiatria. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, v. 33, n. 5, 2006 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832006000500006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 06 dez. 2010. doi: 10.1590/S0101-60832006000500006.</ref>. Alguém que não faça o tratamento, portanto, não correrá este risco.
Hoje em dia, no Brasil, o Conselho Federal de Medicina tolera a eletroconvulsoterapia, como tratamento eletivo, porém apenas dentro de técnicas modernas, com anestesia e sedação prévias, com todos os controles necessários e exigidos pela Resolução CFM 1640/02 e consentimento livre informado assinado pelo paciente, ou por responsável legal, em caso de incapacidade de compreensão e deliberação.

ECT no SUS

A ECT não tem protocolos clínicos e nem diretrizes terapêuticas aprovadas no âmbito do SUS. Não consta na relação de medicamentos instituída pelo Ministério da Saúde, que é o gestor federal. Tampouco consta na lista oficial de ações e procedimentos de saúde, a RENASES.
Algumas universidades, em ambiente acadêmico, aplicam tal procedimento em pacientes do SUS, enquanto tratamento experimental, como é o caso na Escola Paulista de Medicina e na USP, em São Paulo. Naqueles casos o paciente concorda em participar como sujeito de pesquisa, assumindo riscos inerentes ao tratamento experimental.
No SUS, como regra, fora do ambiente acadêmico de investigação visando produzir conhecimentos, não há possibilidade legal de se aplicar procedimentos experimentais. Diz a mesma Lei 12.401/11:

Art. 19-T. São vedados, em todas as esferas de gestão do SUS:

I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. [sem grifos no original]


Comprovando-se, futuramente, a eficácia, a eficiência, a efetividade e a segurança do procedimento, assim como formas de trabalhar com ECT através de protocolo reconhecido e aprovado, sob diretrizes acatáveis nos serviços, ele poderá vir a ser considerado tecnologia incorporável pelo SUS. A incorporação tem um rito legal, devendo as provas científicas comporem processo na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC).
O Decreto 7.646, de 21 de dezembro de 2011, dispõe sobre a CONITEC e sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão e alteração de tecnologias em saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, e dá outras providências. Os interessados em sua incorporação poderão montar processo apresentando à CONITEC novas evidências científicas, caso venham a existir.

Referências

Estas informações foram organizadas a partir de parecer do Prof. Dr. Alan Índio Serrano, Médico Psiquiatra, da Comissão Médica Estadual de Regulação. <references/>