Dependência química

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Revisão de 17h18min de 18 de janeiro de 2023 por Autor (Discussão | contribs) (ETIOPAGENIA)
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INTRODUÇÃO

O conceito de droga de abuso está relacionado àquelas substâncias que podem desencadear no indivíduo a autoadministração repetida, resultando em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo, que são as principais manifestações da síndrome de dependência química.

Antes de se tornar um dependente, o indivíduo passa por uma linha contínua de padrões de uso que vão agravando-se até o estado de dependência. De modo geral, diferencia-se o usuário com consumo de baixo risco daquele com uso nocivo quando passa a apresentar problemas relacionados ao uso.

Conceitua-se usuário abusivo aquele que faz uso de quantidades significativas da substância, porém, não apresenta os critérios para dependência química. Em geral, este é o indivíduo que está prestes a desenvolver a síndrome de dependência, e comumente apresenta padrão de uso nocivo. Por exemplo, indivíduos que fazem uso esporádico de substâncias, podendo envolver-se em brigas, acidentes, faltas ao serviço, ou ter problemas de saúde, física ou mental, podem enquadrar-se no padrão de uso nocivo para a saúde.


DIAGNÓSTICO

A dependência química é uma situação mais grave em que o usuário passa a apresentar uma síndrome oriunda da relação disfuncional que se estabeleceu do consumo da droga. O indivíduo perde o controle do início e término uso da substância, e seu organismo se torna tolerante, necessitando cada vez doses maiores da substância. Quando o consumo da substância é cessado ou reduzido, passa a apresentar sinais e sintomas físicos, mentais e comportamentais – a síndrome de abstinência, que são aliviadas com o consumo da substância.

Ou seja, o dependente químico entra num ciclo vicioso no qual precisa usar a droga para aliviar os sintomas da síndrome de abstinência, e não consegue mais obter o mesmo grau de satisfação pelo uso, devido a tolerância já estabelecida.

A tolerância é mediada principalmente pelos órgãos e sistemas de metabolismo e excreção (rins, fígado e enzimas plasmáticas), e também pelas adaptações que as células nervosas realizam para adequar-se a situação de intoxicação. Em geral, as enzimas do citocromo hepático estão em maior número e mais funcionantes, determinando que a droga seja metabolizada com mais rapidez, da mesma forma com que os rins podem acelerar a excreção da droga e seus metabólitos. No sistema nervoso central, os sistemas enzimáticos também podem estar mais atuantes para reduzir o efeito das drogas nos neurônios, que também passam a apresentar alterações na expressão de receptores. Todas estas alterações tendem a fazer com que o dependente químico passe a utilizar gradativamente maiores quantidades das drogas para obter os mesmos efeitos.

Estas mesmas adaptações que buscam proteger o organismo da intoxicação aguda, tendem a ocasionar os sintomas da síndrome de abstinência, que estão relacionadas ao comportamento compulsivo de busca da substância. Progressivamente, a droga passa a ser a maior prioridade para o indivíduo, ou seja, suas atividades mais relevantes estão relacionadas a forma como conseguirá adquirir a droga, como fará o uso, recuperando-se de seus efeitos, e perdendo o controle da interrupção do uso. Deste modo, passa a deixar de realizar seus compromissos e atividades: começa a faltar trabalho, deixa de comparecer em compromissos sociais, abandona seus hobbies e esportes. E também persiste no uso mesmo diante de sinais de comprometimento biológico, como p. ex., lesões nas narinas, esofagite, problemas pulmonares, etc.

Com o agravamento, a tendência é de afastamento do lar, ocorrência de conflitos intrafamiliares e também em outros meios sociais, problemas com a justiça devido ao porte ou tráfico de substância, podendo, em alguns casos, ficar dias longe de casa ou mesmo passar a morar nas ruas. Mesmo consciente das consequências negativas do consumo da substância, o dependente químico grave persiste no uso.

Uma vez instalada a síndrome de dependência, mesmo com o tratamento de desintoxicação, ela pode surgir rapidamente com o retorno ao uso. Ou seja, uma dependência que levou meses ou anos para se estabelecer pode reinstalar-se em poucos dias num indivíduo que tem história prévia de dependência química.


ETIOPAGENIA

Basicamente, existem quatro teorias básicas que tentam explicar a complexidade das causas da dependência química: o modelo de doença, o modelo comportamental, o psicanalítico e o familiar.

O modelo de doença entende a dependência química como herdada biologicamente, ou seja, que existe uma susceptibilidade genética aos efeitos das drogas de abuso. Também deste modelo se busca compreender o uso de drogas como uma tentativa de automedicação para transtornos mentais latentes.

Da teoria comportamental, emergiu o modelo de comportamento aprendido, de que os comportamentos dos usuários de drogas são condicionados por reforçadores positivos ou negativos, modelados pela imitação de comportamentos de outros usuários e outros fenômenos de grupo.

A teoria psicanalítica busca compreender aspectos inconscientes envolvidos no uso e dependência química, partindo da formulação de hipóteses iniciais, como por exemplo, de vulnerabilidade da autoestima, fixações em períodos precoce do desenvolvimento, déficits afetivos, intolerância a frustrações, prejuízos nas habilidades de autoproteção, etc. As teorias sistêmicas buscam encontrar fatores desencadeantes e de manutenções do consumo de drogas na dinâmica familiar, entendendo o uso da droga como um sintoma de uma interação familiar disfuncional.

Não existe um modelo definitivo que explique o uso e dependência de drogas, pois é consensual que a origem é biopsicossocial, ou seja, envolve toda uma complexa interação dos fatores de biológicos, da constituição física e psicológica, fatores ambientais, socioculturais, e familiares, etc, que também irão variar de individuo para indivíduo. Estudos populacionais demonstram que das pessoas que fazem uso nocivo do álcool, por exemplo, 60% progredirão para a dependência nos próximos 2 anos; 20% voltarão para o uso considerado normal; e 20% ficarão dependentes.

Não existe nenhum fator que determine, de antemão, quais as pessoas que se tornarão dependentes. Existem, sim, fatores de risco e outros de proteção que podem indicar pessoas com grau maior de vulnerabilidade:

Fatores Individuais

- De proteção: Habilidades sociais; Cooperação; Capacidade resolutiva; Vínculos pessoais; Vínculos institucionais; Ética e valores morais; Autonomia, auto-estima.

- De risco: Insegurança; Insatisfação; Curiosidade; Busca de emoções / prazer; Comorbidades: transtornos psiquiátricos e outras doenças.


Fatores Familiares

- De proteção: Definição de papeis; Hierarquia; Companheirismo; Envolvimento afetivo; Monitoramento; Regras de conduta claras; Respeito aos ritos familiares; Harmonia conjugal.

- De Risco: Autoritarismo; Permissividade / negligência; Pais ou irmãos que fumam, bebem ou usam outras drogas; Pais ou irmãos que sofrem de transtornos mentais ou doenças crônicas; Conflito entre os pais.


Fatores Escolares / Profissionais

- De proteção: Bom desempenho; Boa adaptação; Oportunidades de participação; Desafios; Vínculo afetivo; Exploração de talentos pessoais; Descoberta e construção de um projeto de vida; Prazer em aprender; Realização pessoal.

- De risco: Mau desempenho; Falta de regras claras; Baixa expectativa em relação aos alunos; Exclusão social; Falta de vínculos afetivos; Autoritarismo; Permissividade; Falta de infra-estrutura; “Clubes” (identificação de grupo).


Fatores Sociais

- De proteção: Respeito às leis sociais; Credibilidade da mídia; Trabalho; Lazer; Justiça social; Informação sobre drogas; Organização comunitária; Afetividade comunitária; Mobilização social; Boas relações interpessoais.

- De risco: Violência; Desvalorização do poder público e descrença nas instituições; Falta de recursos para prevenção e tratamento; Desemprego e/ou falta de lazer; Modismos; Falta de informação; Uso indiscriminado de medicamentos.


Fatores Relacionados à Droga

- De proteção: Informações adequadas; Regras e controle para consumo; Dificuldade de acesso.

- De risco: Disponibilidade para compra; Fácil acesso; Propaganda; Efeito de prazer (recompensa)